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Mergulhos

A obra visual de Lula Côrtes, paralela à sua obra musical, transita por aí, por esta vertente que parece ser a coxia do grande palco do mundo – ele é conhecido como artista do palco. Mais ainda: ela transita pelo seu mundo interior, por seus abismos, sua poesia bárbara e brilhante que se confunde com sua maneira de ser, seus signos próprios, seus meios e modos de se relacionar com a vida e com o outro. (Raul Córdula)

A curadoria dessa exposição virtual pretende apresentar ao público parte da série de pinturas intitulada Atípicos, de autoria de Lula Cortês, que está contida em acervo particulares – uma rede de amigos, sustentada por amores, paixões e muita amizade – que foi acionada por meio da realização de uma investigação que derivou em uma série de atividades, ações e sobretudo uma pesquisa a acerca da produção plástica do artista multidisciplinar Lula Cortês. Um dos resultados da pesquisa derivou no mapeamento – registro fotográfico e construção de uma ficha catalográfica – da sua obra visual que está reunida em diversos acervos privados. 

A investigação que se desdobrou para realizar esse mapeamento partiu de algumas perguntas levantadas inicialmente pelo grupo de pesquisadoras, a saber: Quais os termos de referências que sustentam o rótulo atribuído a Lula Cortês de multi-artista? Qual lugar a crítica de arte colocou sua obra visual e qual foi o lugar que essa mesma narrativa crítica projeta para ele: o surrealista? O marginal? O multiartista? Como Lula Cortês cria? Quais seus impulsos para a invenção de uma obra visual, sobretudo a pictórica? Quais as redes de circulação de seus trabalhos visuais? Entre suas criações sonoras, visual e verbal há uma interrelação das poéticas tratadas?  Entre outras questões que foram surgindo ao longo da nossa convivência como grupo de pesquisa.

Nessa exposição virtual apresentamos a série Atípicos, também título do projeto de pesquisa que investigou alguns acervos privados. Os acervos visitados foram os seguintes: acervo de Avir Mesel Côrtes e Kátia Mesel, acervo de Manuel Cesário Ferreira Pinto e acervo de Alcione Móes e Nemo Móes Côrtes. Com base nas visitas para a construção do mapeamento as obras foram catalografadas e fotografadas –  como podem verificar na sessão Mapeamento. Foram realizadas entrevistas às proprietárias e com Cesário. Nessa exposição virtual daremos destaque especialmente para a série Atípicos presentes nos acervos mencionados. Decidimos exibi-las pelos desvios cromáticos, no sentido de construir uma espécie de tipologia da cor: os desvios para os vermelhos, para os verdes, para os azuis, para os ocres e ainda aquelas que explodem nos diversos cromatismos. A cor existe pois é pura retenção da luz. Ao percorrer Atípicos por essa narrativa talvez cheguemos próximas da maneira como o artista capturava o mundo ao seu redor: das miudezas da vida, como a luz que incide sobre a paisagem e produz a fotossíntese, o nascimento, o crescimento e a mutação. Lula Cortês nos parece ter valorizado essa natureza orgânica das coisas do mundo: da germinação ao florescimento.   

Ao percorrer essas imagens reunidas pela aproximação cromática queremos fazer notável a chama que arde na proposta pictórica desse artista atípico: atípico para as normas e regramentos de uma sociedade do controle dos corpos, da sexualidade, da criação. Um corpo atípico nos palcos e na vida cotidiana. Lula Côrtes, um artista plástico pouco convencional para se adequar ao campo das artes e as suas regras. Que lugar poderia ocupar esse artista nesse campo artístico? Difícil imaginar. Um andarilho entre as fronteiras e um fundador de trilhas às margens do que se nomeava como centro. 

Lula Cortês nos parece que também não fazia concessões para poder se enquadrar nas disputas presentes no campo das artes na época e tão pouco cumprir alguns pré-requisitos impostos para as e os artista de sua época que se consagravam, talvez seja por sua atitude atípica ao campo das artes que Lula tenha percorrido com mais aceitação o campo da música: menos elitista que o campo das artes. Lula Atípico Côrtes: irregular, anômalo, divergente, diferente, diverso, raro, singular, incomum. 

Sua série Atípicos parece ter nascido de suas entranhas, do seu interior, da sua sexualidade e sensualidade, ou seja, da pulsão de vida, da potência da vida e certamente da morte, como nos aponta em reflexão Friedrich Nietzsche: os riscos de ir a fundo para dentro e para os nossos abismos: se colocar à beira da falecia. Atípicos de Lula Cortês  desenha por meio de linhas orgânicas e fluidas esse movimento da vida, percebemos o rigor formal e técnico do seu desenho: excelente desenhista. Ao usar as tintas o artista corre um grande perigo de não controlar seu uso e deixar os acasos romperem o controle técnico e esmaecerem-se à vontade ao movimento da própria matéria deixar suas marcas. Exercício difícil para um artista que se dispõe ao uso dessa linguagem. Nesse sentido, pode-se afirmar que é no jogo experimental entre a ordem (razão ou Apolíneo) e o acaso (intuição ou Dionísio) que o artista caminha em sua criação. 

Um outro dado importante que marca a produção visual de Lula Cortês (trabalhou com as artes gráficas – desenho, pintura, livro de artista) é como sua obra representa uma geração e a condição histórica na qual o artista estava imerso. Os anos 1970 produziram em Lula Cortês uma tatuagem (marca) na pele que ele a carregou por toda sua existência. Uma visão de mundo de parte de uma geração que caminhando a contrapelo do estabelecido produziu uma ética poética – um estilo e uma maneira de viver cuja uma nova sensibilidade era produzida e se conectava ao que ficou conhecido como experimentalismo na arte. O crítico Raul Córdula soube resumir bem essa experiência contracultural na cidade do Recife que Lula soube traduzir, cito: 

Mas ninguém desenhou melhor o estado de espírito do Recife dos anos 1970 do que Lula Côrtes. Além de desenhar ele versejou, musicou e editou. Na verdade, nas décadas de sessenta e setenta Lula não trabalhou só, Kátia(Mesel) foi sua musa e sua força. Ela projetou uma estética associada à precariedade, com edições de livros e discos que partia do papel barato ou da sobra da gráfica, mas que atingia um encanto jamais superado pelos designers daqui. Os textos, ideias e desenhos de Lula eram magistralmente integrados aos projetos gráficos de Kátia. (…). Os desenhos que ele fazia nos anos 1970 possuíam uma alma psicodélica. Mas não eram repetições copiadas de revistas americanas, seus traços fluíam com uma elegância e uma habilidade sem par. (…) Lula Côrtes, como Jorge Tavares, Zé Tavares, Rodolpho Mesquita, Rodolfo Aureliano e Humberto Magno, faz parte dos malditos, os angelicais artistas malditos que fogem de todas as regras e se revelam ao mundo como profetas de novas luzes. Demônios do bem, anjos do mal, estes artistas sempre estiveram além do próprio tempo, do eterno agora. (Raul Córdula)

Todos atípicos para seu tempo. Alguns desses citados, assim como Lula Cortês, já se encantaram. Todos com suas identidades artísticas próprias têm essa marca do seu tempo em seus trabalhos. Desta forma parte da série Atípicos que ora vem a público nessa exposição virtual deseja revelar ao público o quão vigorosa, rigorosa e porosa é a criação visual desse artista inquieto com seu próprio tempo e com ele mesmo. Pretendemos mostrar também o quão habilidoso era o artista visual Lula Côrtes. Desde menino sua principal maneira de expressar-se passou pelo desenho: o desenho era e foi seu gozo nas artes visuais e na vida. Como um cartógrafo que envereda por descrever através de desenhos territórios, Lula por meio de seu desenho estruturado, vigoroso e descritivo nos cartografa a si, seu entorno, seu tempo e a própria criação e mutação que é a vida. 

Sobre a Pesquisa: caminhos trilhados

A pesquisa desenvolvida ao longo de aproximadamente um ano de trabalho (em plena pandemia) pretende apresentar ao público parte da obra visual de autoria de Lula Cortês, que está contida em acervos particulares – uma rede de amigos, sustentada por amores, paixões e muita amizade. A investigação que derivou em uma série de atividades, encontros, ações e sobretudo numa pesquisa a acerca da produção plástica do artista multidisciplinar Lula Cortês. Um dos resultados da pesquisa derivou no mapeamento – registro fotográfico e construção de uma ficha catalográfica – da sua obra visual que está reunida em diversos acervos privados. A investigação que se desdobrou para realizar esse mapeamento partiu de algumas perguntas levantadas inicialmente pelo grupo de pesquisadoras, a saber: Quais os termos de referências que sustentam o rótulo atribuído a Lula Cortês de multi-artista? Qual lugar a crítica de arte colocou sua obra visual e qual foi o lugar que essa mesma narrativa crítica projeta para ele: o surrealista? O marginal? O multiartista? Como Lula Cortês cria? Quais seus impulsos para a invenção de uma obra visual, sobretudo a pictórica? Quais as redes de circulação de seus trabalhos visuais? Entre suas criações sonoras, visual e verbal há uma interrelação das poéticas tratadas?  Entre outras questões que foram surgindo ao longo da nossa convivência como grupo de pesquisa. 

A pesquisa caminhou pela formação em diálogo compartilhado com pesquisadoras e pesquisadores das artes visuais, da história, da sociologia, da música. Também fomos atravessados por algumas leituras objetivando nos aproximar dessas perguntas supracitadas e da condição histórica na qual Lula Cortês estava imerso, sobretudo, do período de sua maior produção das artes visuais, também, das vertentes culturais e de uma nova sensibilidade à qual o artista se filiou. Ao longo das leituras e sobretudo dos encontros organizados em sessões no formato do webnário Lula Côrtes e a Imagem, outras perguntas surgiam e algumas respostas eram edificadas e outras esmaecidas, conforme depoimentos tanto dos (as) convidados (as) quanto do público presente eram emitidos. Esses encontros foram ricos para ampliar nossa rede e trazer para a roda de conversa pessoas que conviveram com Lula Côrtes, a exemplo de Paulo Klein, Jarbas Mariz, Aluísio Finazzi, Teresa Benassi e aquela amiga de Olinda). O evento pretendeu estimular reflexões sobre a trajetória de Côrtes no campo das artes visuais e sobre os contextos da criação artística no Recife entre as décadas de 1960 e 1990. Com a participação de diversos pesquisadores do campo da História e das Artes Visuais, como Durval Muniz de Albuquerque, Joana D’Arc Lima, Nemo Côrtes, Flávio Weinstein, Felipe Aretakis e Raul Córdula. As temáticas selecionadas foram: 1) Lula Côrtes, trajetória e vida (Nemo Côrtes); Sociabilidades culturais no Recife – anos 60 e 70 (Felipe Aretakis); A imagem, o real e o simbólico (Durval Muniz de Albuquerque); O campo artístico na cidade do Recife (Flávio Weinstein); Um olhar sobre a produção artística do Lula Côrtes (Raul Córdula); Anos 1970 e 1980: O Recife e as Artes Visuais (Joana D’Arc Lima).

Por último o trabalho de campo se desenvolveu com base em visitas aos acervos que contém obras visuais desse artista. Selecionamos três arquivos privados. Investigar a produção artística (pintura, desenho, gravura) do artista Lula Côrtes em diversos acervos – aqueles mais íntimos bem como outros acervos privados que se relacionam com o artista de maneira afetiva, seja pela amizade e outros sentidos e significados, cito: Acervo de Avir Mesel Côrtes, Kátia Mesel, Alcione Móes, Nemo Móes Côrtes, Alga Móes Côrtes e Manuel Cesário Ferreira Pinto.

Das vontades do projeto inicial e das errâncias do caminho. 

Desejávamos pesquisar os supracitados acervos em busca do mapeamento de sua produção visual, cujos dados possam ser empregados na construção de um quadro de identificação com as referências principais e breves histórias biográficas das obras. Queríamos pesquisar a documentação escrita registrada nas páginas de jornais, folders, convites, catálogos sobre exposições e os comentários das obras, textos críticos, de parede entre outros. Levantar fotografias pessoais e de vistas de exposição que se relacionem com a temática dessa pesquisa. Escrever pequenos verbetes sobre cada uma das exposições – recortes de comentários críticos e depoimentos com pessoas que se envolveram nesse processo.

Para chegar próximo ao processo criativo do artista e pensar na questão como Lula Côrtes criava, inventava e representava mundos por meio da linguagem visual, pretendíamos pesquisar vestígios (incluindo fotografias, depoimentos, cartas, ranhuras…) nos diversos acervos que possam nos dar pistas para chegarmos próximos/as do processo criativo do artista.

Na busca de ampliar nosso olhar sobre o artista realizamos um levantamento bibliográfico de estudos sobre o artista de maneira geral, algumas entrevistas dadas por ele e alguns vídeos entrevistas. Além da realização de entrevistas orais de memória sobre o artista e sua obra visual com as e os detentores da guarda dos acervos investigados. 

Com efeito os desejos sempre são maiores e são, as vezes, mais ousados  que conseguimos realizar na prática. A vida percorre caminhos curvos e entramos por vezes em labirintos tortuosos. Nos faltou tempo e perdemos tempo. Nas palavras de Córdula, O tempo não pode ser visto apenas como uma sequência de dias e meses, ele é curvo, plástico e pegajoso. O que vemos são pedaços do tempo, movimentos da vida, segmentos de histórias e ações que revelam a realidade de uma forma fragmentada, aquela que mais conhecemos. (Córdula, s/d). Assim, juntamos os fragmentos de uma vida e os colocamos em conexão, como um mapa da existência poética e visual de Lula Côrtes. Apresentamos aqui os resultados da pesquisa, o que foi possível traduzir em palavras/textos, em narrativas visuais e em disponibilização documental para outras investigações.

Neste momento, apresentamos um mapeamento – uma cartografia – de três acervos privados. Construímos fichas catalográficas que carregam informações sobre as obras. Organizamos uma exposição virtual, intitulada Atípicos e seus desvios de cor com recurso de audiodescrição a fim de garantir o acesso para pessoas cegas e com baixa visão. Elaboramos textos narrativos das pesquisadoras. Disponibilizamos vídeos contendo as sessões dos Webinários; fragmentos de algumas das entrevistas realizadas, uma sessão com fontes de pesquisa (indicações de textos) e uma lista de entrevistas dadas pelo artista Lula Côrtes em um endereço eletrônico criado pelo projeto para se tornar um portal de acesso ao imaginário de Lula Côrtes.

O que sobrou e transbordou dessa experiência e que lateja nas entrelinhas e nos espaços em aberto dos resultados finais: afeto, amizade e desejo de continuar pesquisando e olhar para essa trajetória minimamente contada aqui como uma experiência que devemos trazer para nosso tempo para quem sabe, ela, possa nos ajudar a viver nos nossos dias com mais humanismo e psicodelia à nordeste. 

Era o ano de 2009. Em seu apartamento, na beira-mar de barra de Jangada – quase dentro do mar – numa entrevista para o jornalista e escritor Cristiano Jerônimo, Lula Côrtes contou:

Eu não sei escrever. Começa aí a história. Então eu comecei a pintar. Quando eu comecei a escrever poemas e pintar diariamente, eu lia muitas fábulas antigas, o universo infantil. Na época da minha infância não existia a televisão, então o grande portal para a imaginação vinha da leitura. Como deveria ser até hoje. Então eu pinto as cenas que eu imagino. Eu pinto com as palavras. [i]

Essa polissemia artística de Lula Côrtes permeava o seu cotidiano, marcando os seus percursos criativos e alinhavando uma relação entre o pintar, o escrever, o compor e o cantar – intrínseca à sua produção.

Há telas, pintadas por Lula Côrtes, espalhadas “a perder de vista”. Amigos e amigas, fãs, admiradores dos seus traços e cores, colecionadores e compradores as possuem guardadas.  

Buscando delinear apontamentos acerca dos modos de produção e circulação das pinturas de Lula Côrtes, realizamos entrevistas com três das pessoas mais importantes na vida do artista, proprietárias dos acervos visitados. As entrevistas tiveram caráter de conversa, dando-nos acesso ao conhecimento de anseios particulares de Lula em relação à pintura. Contaram-nos sobre a convivência com ele; sobre criar, amar e lidar com os desafios de uma vida dedicada ao fazer artístico, seja em São Paulo, seja em Pernambuco, ou mundo afora. Para Lula Côrtes, o campo artístico foi imiscuído da intimidade com amigos, amigas, parceiros e companheiras. 

Havia uma mola-mestra na sua forma de viver, e essa força motriz talvez tenha sido a curiosidade, aliada ao ímpeto para deixar-se sempre em movimento, constantemente trazendo-se novos desafios artísticos. Autodidata, Lula Côrtes pintava por inspiração, mergulhado no prazer de sentir o cheiro da tinta e de produzir uma nova obra, para, muitas vezes, nem se demorar a contemplá-la. Apaixonava-se por pouco tempo pelas suas telas. Vendia-as com o desprendimento de quem pinta para o mundo, pelo deleite de pintar, sem imbuir a sua produção de um preciosismo comum aos grandes salões de arte.

A valoração dada por Lula Côrtes às suas pinturas era definida pela relação afetiva ou profissional com a pessoa que a receberia, fosse comprando-as, ganhando-as ou trocando-as em favores. Dessa forma, as telas de Lula passaram a circular agenciadas por necessidades ocasionais do artista, numa troca intermediada, quase sempre, por ele mesmo. As telas que pintava, dentro do conjunto da sua produção artística, em alguns períodos mais que em outros, ganharam sentido efetivo de organizadores financeiros. Apesar de movido pela vontade de criar, experimentando técnicas novas que descobria em seus percursos, investindo em utilizar os melhores pincéis e as melhores tintas, Lula pintava para vender as suas telas, e, com isso, viver da sua arte, ou, escrevendo a esse respeito com uma frase mais parecida à sua forma de ser: viver da arte por viver com arte. 

O desejo de ser reconhecido como um artista dentro do campo das artes visuais esteve sempre presente nele. Embora tenha realizado exposições de suas pinturas e desenhos, inclusive fora do Brasil, Lula Côrtes não se sentia satisfeito com a apreciação feita, de forma geral, e, especialmente, por seus pares. Estabeleceu parceria criativa com muitos músicos, entretanto, expressou, em entrevistas, anotações pessoais e conversas, o descontentamento com o grau de reconhecimento que recebeu pela sua persona artística como artista visual. Considerando a intensidade com a qual pintava e desenhava, a preocupação em ter boas ferramentas (tintas, pincéis, telas, papel), o compromisso em dar vida e finalizar cada quadro, e, sobretudo, o fato de considerar-se um bom pintor[ii] – davam ao próprio Lula – uma dimensão bastante significativa da sua produção em artes visuais. 

Um parceiro artístico, e, conforme lê-se aqui, também um admirador seu, Raul Córdula, nome reconhecidamente relevante nas artes plásticas pernambucanas, assim o descreveu: 

A obra plástica de Lula Côrtes, paralela à sua obra musical, transita por esta vertente que parece ser a coxia do mundo – ele é mais conhecido como artista do palco. Mais ainda: ela transita por seu mundo interior, por seus abismos, sua poesia bárbara e brilhante que se confunde com sua maneira de ser, seus signos próprios, seus meios e modos de se relacionar com a vida e com o outro (CÓRDULA, 2005, p.59).[iii]

 Nesse mesmo artigo, Raul Córdula comenta sobre a qualidade da técnica de Lula: “os desenhos que ele fazia nos anos 70 possuíam uma alma psicodélica. Mas não eram repetições copiadas de revistas americanas, seus traços fluíam com uma elegância e uma habilidade sem par”. 

Voltemos aos acervos, para agora tentarmos trazer até vocês pinceladas que revelam a presença da pintura no cotidiano de Lula Côrtes. Pinturas em óleo, aquarela, nanquim e grafite; poesias; fotografias; matérias de jornais sobre lançamento de discos, noticiando a participação de Lula em festivais de música, ou alguma entrevista com ele; cartazes de shows e catálogo de exposição de suas pinturas. Preciosos e numerosos esboços em grafite. Postais recebidos de parentes, outros, escritos por Lula Côrtes, e que ficaram para serem enviados. Esse conjunto de itens compõem o primeiro acervo visitado pela equipe de pesquisa do mapeamento nomeado de Atípicos, em alusão à série homônima de suas pinturas. Trata-se do acervo pessoal do artista, no qual existem também muitas anotações particulares. Bilhetes, pedaços de papel encontrados entre cartas, envelopes, cartões, convites, flyers, e esboços quase aleatórios, traços que brotavam de suas mãos na verve do impulso criativo – constantemente. Representam os documentos que guardam em si marcas de uma época. A troca de cartas em papel, escritas à punho; os bilhetes de visitas que chegavam à casa de Lula e não o encontravam; fotografias reveladas; a comunicação por fax, desenrolada com hiatos temporais algumas vezes de anos.   

Debruçamo-nos sobre o seu acervo pessoal, com a intenção de mergulharmos no universo afetivo e particular de Lula Côrtes para compormos o nosso esboço do retrato do artista, enquanto pintor. Visto que um mapeamento, quando compartilhados os seus resultados, é também uma apresentação, indagações a respeito do lugar da pintura na identidade artística de Lula Côrtes – mais conhecido pela sua carreira musical – moveram a operação da pesquisa realizada aos acervos. 

Um arquivo, lugar que nasce da desordem,

porquanto desmesurado, invasivo como as marés de equinócios, as avalanchas ou as inundações. A comparação com fluxos naturais e imprevisíveis está longe de ser fortuita; quem trabalha em arquivos se surpreende muitas vezes falando dessa viagem em termos de mergulho, de imersão e até de afogamento… o mar se faz presente; aliás, repertoriado em inventários, o arquivo permite essas evocações marinhas na medida em que se subdivide (FARGE, 2017, p.11).[iv]

 O mergulho ao universo particular de Lula Côrtes, operado com o olhar e com a distância requerida pelo ofício da pesquisa, nos levou ao encontro de agendas do artista. Dito pelo próprio Lula que pintava com as palavras, estas, escritas em agendas que eram ora diários, ora organizadoras de rotina – cumprindo a função de registro de telefones, endereços, datas de aniversário, compromissos, e, também, de sensações, anseios e sentimentos – nos revelaram um artista, comprometido com a sua prática de pintar, diariamente. 

Encerramos esse esboço deixando com vocês algumas anotações do artista enquanto pintor, tais como foram escritas por ele. Escolhemos aquelas que revelam hábitos, como o de acordar cedo e pôs-se a pintar, durante as manhãs. Outras, que trazem os preços das telas vendidas. Não foi possível estabelecer um padrão de precificação adotado por Lula para as suas telas, tampouco os critérios usados para mensurar o valor financeiro dessas. Há, sim, o registro das etapas de sua produção artística. Ele faz menção aos seus desafios criativos, ao tempo gasto pintando, assim como o nome de quem realizou a encomenda. 

Lula Côrtes gostava de indicar a técnica empregada. Chama à atenção o fato de que as suas criações, muitas vezes, já nasciam com nomes. Ele registrava o título da tela, antes mesmo de pintá-las.   

Consultando essa agenda encontrada em seu acervo pessoal, ao chegarmos na seção de contatos, encontramos os nomes de artistas – uns já bastante conhecidos no cenário nacional, outros, na cena pernambucana da música; seus endereços e telefones. As dinâmicas relacionais de Lula, cujas marcas são percebidas em sua produção artística – contratos, produções, shows, turnês, exposições, publicações – podem ser acompanhadas através de bilhetes recebidos – alguns soltos entre papéis avulsos, outros, grampeados nas folhas da agenda. Ele tinha o costume de fazer anotações sobre as visitas recebidas ou estar sozinho; sobre seus trajetos, encontros e destinos. 

Selecionamos uma sequência de dias próximos no calendário, para que nos fosse possível compartilhar um esboço do cotidiano do artista. O período escolhido foi aquele no qual Lula Côrtes escreveu com maior frequência em sua agenda, esse objeto de registro diário.

O ano era 1998. 

1° de janeiro

Escrevi para o livro. Nemo veio me visitar. (…) à noite, tornei a escrever. Sonho que ainda em janeiro vou terminar o livro.

 4 de janeiro

Vendi –> Mary 

“O guardião do abismo”

90X60 óleo / 600,00

Recebi: 200,00 (Fiado: 400,00)

 5 de janeiro

Não pintei, não escrevi. Passei uma tarde péssima.

 6 de janeiro

Acordei muito cedo. São 5 horas. Vou pintar. 

Cantei na Soparia

 17 de janeiro

Acordei muito cedo. Estou pintando novamente, continuo o trabalho para a exposição. Minha música tocou na Transamérica.

 25 de janeiro

Às 6h Alex veio aqui. Eu já estava pintando. Se não trabalhar vou pirar de vez. Pintei durante toda a manhã “Um coqueiral” (óleo).

 2 de fevereiro

Continuo a pintar “O mangue 2”

Estou muito disperso, passo horas andando e não consigo trabalhar com continuidade outra vez. O quadro que é bom, nada!

 4 de fevereiro

Continuo a pintura do “Mangue” quadro da mãe de M. (muito trabalho!)

10 gravuras para Newton – 350,00 reais

Hesíodo -> 60 reais por duas aquarelas / p.g.

 8 de fevereiro

Estou pintando o porto à noir. “Um porto imaginário”. Óleo.

Terminei o quadro.

Folga à tarde.

 10 de fevereiro

Preparei 3 telas para pintar.

Pintei “Os juncos” da Lagoa do Náutico”.

Preparei o painel para a praça.

 Recado escrito à mão em pedaço de papel, grampeado no dia 11 de fevereiro:

“Lula, um abraço.

Estive te procurando. Por favor, passe um fax especificando o material que você precisa para fazer um painel. Urgente. Caso seja possível, me telefone.”

 14 de fevereiro

Estou só. Vou procurar pintar – durante todo o dia. Não estou esperando nada de especial – só trabalho. Escrevi um pouco. Saí para relaxar, mas foi pior. Não existe nada na rua que não seja comum, e isso não me interessa mais. Voltei e pintei “Um estudo para as queimadas” (um tronco no fogo) óleo. Vou pintar “A queimada” óleo.

 28 de fevereiro

Shopping

Cezário

4 horas da tarde: cais do porto

Vendi 5 telas – 600,00 cada.

 9 de março

Acordei às 7h.

Estou precisando pintar – a tela está preparada e eu não me concentro o bastante – preciso pousar aqui – habitar este espaço novo. 

São 11 horas.

 19 de março

Pintei “O homem fora de si”. Vendi por 2.000,00.

Vou ao médico, não estou me sentindo bem.

Vou ao bar do poeta.

O bar não existe mais.

[i] Entrevista publicada no blog http://cristianojeronimo.blogspot.com/2016/10/lula-cortes-eu-pinto-as-cenas-que-eu.html em 06 de outubro de 2016.
[ii] Informação trazida aqui com base na entrevista realizada no dia 21 de agosto de 2021, ao amigo e proprietário de um dos acervos pesquisados, Manuel Cesário Ferreira Pinto.
[iii] CÓRDULA, Raul. Artes Plásticas: Lula Côrtes, demônio do bem. Recife: aRecifes – Revista do Conselho Municipal de Cultura, ano 30, n° 10, dezembro de 2005, p. 59 a 62.
[iv] FARGE, Arlete. O sabor do arquivo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017.

As décadas de 1960 e 1970 marcaram a cena cultural pernambucana pela mobilização de registros artísticos que até então destoavam da estrutura simbólica predominante. A representação do “popular”, a partir da matriz ético-estética Regionalista, por exemplo, ainda perfazia boa parte da produção artística local tanto nas dimensões do saber quanto do fazer. Outro agenciamento para o mesmo conceito era posto em discussão e praticado por artistas e intelectuais ligados ao campo ideológico das esquerdas haja vista o regime de exceção instaurado no país desde 1964. Todavia, com o surgimento dos primeiros grupos de jovens artistas e intelectuais de vanguarda, especialmente em finais de 1960, a produção cultural pernambucana passou a ser negociada também a partir do universo simbólico da Contracultura.

A primeira expressividade artística de rompimento com a tradicional cultura local foi a representação tropicalista operada por artistas e intelectuais de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Movimento classificado pela historiografia como Tropicalismo Pernambucano e que com dificuldades – embora com muita agitação e carnavalização, como diziam os próprios tropicalistas – ultrapassou o biênio 1967/1968 até às margens de 1970. Os tropicalistas puseram em questionamento a identidade cultural nordestina promovendo uma visão mais aberta e plural para a arte produzida nesta região bem como através de práticas artísticas como o experimentalismo e a performance criaram novos paradigmas de expressão. Menos iconoclasta, a segunda expressividade artística buscava através da linguagem liberalizante do corpo e da mente unir elementos do local com o universal para dar vida a um saber-fazer peculiar em termos de psicodelia.

A Psicodelia Nordestina, como mais tarde viria a ficar conhecida, marcou a década de 1970. O chamado “Udigrudi Pernambucano” construiria suas bases especialmente no campo musical, despontando como um território fecundo para a transgressão da juventude recifense. Tanto o imaginário simbólico quanto a abertura para novas dissipações vivenciais, ligadas em primeira instância aos modos de ser do movimento hippie – aqui havendo destaque para a experimentação lisérgica e para a experimentação estético-comportamental – e em segunda instância à revolução sexual, foram agenciados pela juventude local ávida por liberdade. Do encontro desses jovens resultaria a formação de diversas bandas, tais como a Tamarineira Village – reconfigurada mais adiante como Ave Sangria – Nuvem 33, Flaviola e O Bando do Sol, Phetus, entre tantas mais, bem como de espaços de confabulações criativas tais como a Casa Abrakadraba, o Beco do Barato e a Galeria 3 Galeras.

A Casa Abrakadabra era o QG da contracultura à época. Tratava-se da residência do casal Lula Côrtes e Kátia Mesel, localizada em Apipucos. Entusiastas do rock’n roll e do mundo das artes de maneira geral, ambos haviam transformado a própria casa em território de encontro para os músicos, artistas e também amigos de desbunde que para lá acorriam com o intuito de potencializar suas trocas criativas. Nesse ambiente de efervescente liberdade e de democratização do saber musical surgiu o projeto Selo Solar, uma espécie de produtora independente, que passou a pensar e produzir a programação visual dos discos daquela geração psicodélica. Tanto assim que a produção fonográfica mais emblemática da época carregava não somente em suas capas como também em sua musicalidade a concepção cosmogônica dos que faziam o grupo Solar: Satwa, 1972; Marconi Notaro no Sub Reino dos Metazoários, 1973; Paêberú: o caminho da Montanha do Sol, 1975; Flaviola e o Bando do Sol, 1976.

Lula Côrtes era um artista solar; de natureza inquieta, que atravessava com trans/lucidez as poiesis artísticas. Já em 1972, Celso Marconi, jornalista encarregado do Caderno de Cultura do Jornal do Commercio e Tropicalista por transgressão cultural – que o digam os dias de errância da Pernambucália – havia classificado Côrtes como “poeta/pintor, desenhista e outras transas mais”. Àquela altura, o jornalista do JC fazia referência à produção visual lançada por Côrtes sob forte inspiração orientalista e surrealista através da transfiguração dos signos do zodíaco. Segundo informações levantadas por José Teles em seu icônico livro “Do Frevo ao Maguebeat”, à época Lula Côrtes se dedicava “à pintura, compulsiva, de telas e desenhos com influências surrealistas, adquiridas, segundo ele, do próprio “mestre”, o catalão Salvador Dali”. Essa estória e tantas outras, Côrtes contava com empolgação a todos de seu círculo de amizade, pois havia retornado repleto de experiências e desventuras de uma viagem que fizera da Espanha ao Marrocos.

Assim era Lula Côrtes, uma persona artística de múltiplas reverberações, nem tanto surrealista nem tanto orientalista nem tanto rock’n roll nem tanto concretista, não no sentido da não dedicação a um campo do sensível, enquanto identificação profissional e construção intelectual, mas por projeção de um “Eu” essencialmente antropofágico e desviante. Nesse sentido, não cabe observar a produção visual de Lula Côrtes – em seus variados momentos de vida – tão somente pelas concepções estéticas e epistemológicas dos modernismos e suas recepções locais, mas, sobretudo, a partir de uma perspectiva pulsional e sintomática. Qual o lugar onde a arte visual de Côrtes arde? Onde ela faz sintoma? Dentro deste entendimento, talvez seja nos detalhes que devamos buscar interpretar o “poeta/pintor”. Ao não se encaixar ou se esquadrinhar nos códices exigidos pelas estruturas legitimadoras das artes vigentes à época, Lula Côrtes não se transformava automaticamente num não-artista visual, ao contrário, operava sua produção num transbordamento criativo para além de “outras transas mais”, como afirmava Celso Marconi.

Lula Côrtes era uma espécie de guru de sua geração, por isso podemos pensar que sua poiesis tenha se desenvolvido numa perspectiva de “atravessamento” – entre a poesia, a pintura, o desenho, a música e a transgressão – o que significa dizer que sua arte não tem bordas; ela se espalha e se confunde perfazendo um arco referencial verbo-voco-visual de suas identidades artísticas.    

O que se trata aqui neste texto de exposição diante da trajetória do multiartista Lula Côrtes, que percorreu tantas frentes no mundo artístico e criou um circuito a partir de seu próprio caminhar articulado sobretudo com a música? Reflexões sobre as exposições deste artista trazem evidências sobre os espaços elencados para as suas mostras, a sua produção artística em diversas épocas, suas formas de expor ao público, mas, junto com todos estes pontos, busca fazer um desenho de como aconteceu uma gestão de processos criativos que muito se construiu nas dinâmicas entre shows, gravações de discos, ateliês coletivos, produções gráficas e literárias e, não menos importante, nas suas relações com os agentes da época.

Nunca é sobre uma coisa só, trata-se aqui de atravessamentos. O que parece, evidentemente, algo muito rico e aglutinador transitar em vários circuitos, foi, porém, muito desafiador para um artista que não cabia em um só lugar. O sistema de arte vigente não abarcava a complexidade e a cinestesia do artista. Então, ele se inaugurava constantemente, no sentido de criar seus caminhos, criar seus próprios códigos, possibilitando assim outros artistas a percorrerem neles.

Neste projeto de pesquisa intitulado Atípicos, que tem o objetivo de um mapeamento de sua produção artística visual, os pesquisadores apresentam as exposições como um dos caminhos investigativos. No primeiro momento, é possível identificar alguns dados das exposições do artista em galerias, clubes e museus, sendo elas coletivas ou individuais, um contexto que se apresenta mais institucional. Ações expositivas com um tempo acordado em cartaz, horários de visitação determinados e, algumas, com catálogo e peças gráficas que dá aos pesquisadores suporte para as informações das exposições mais recentes. Mas, assim como localizar suas obras é um processo árduo diante da vastidão de sua produção, por se encontrar espalhada e por ter uma circulação sem registros, encontrar as informações de suas mostras também não é tarefa fácil, mas temos alguns indicativos.

No levantamento de fontes de pesquisas (entrevistas, documentários, blogs e afins), percebe-se que há outra forma de identificar as exposições que não estão catalogadas. Há muitas memórias das realizações de mostras a partir da produção de pinturas de paisagens por onde o artista transitou. Sabe-se que este estilo de pintura não foi o único escolhido pelo artista, nem o único que expôs e experimentou. No entanto, nos lugares por onde ele buscou registrar as paisagens, há relatos de que foram onde o artista expôs várias vezes suas pinturas e que escoou estas obras como forma de presentear e/ou por meio de comercializar, uma das suas principais fontes de renda. As paisagens de Pernambuco e Minas Gerais são exemplos disso, muito foi o envolvimento do artista nestes territórios, do contexto familiar à sua formação artística.

Já na etapa das formações do projeto, com a realização dos webnários, que tratavam sobre os campos artísticos da cidade do Recife e da trajetória de vida e obra de Lula, compartilharam fluxos em festivais, gravações de discos, memórias de estadias, estradas e estúdios, o que sugere aos pesquisadores caminhar pela trajetória musical do artista para encontrar informações onde o artista escoava essa produção artística visual. Neste sentido, as exposições, nesta etapa do projeto, ganham outro fluxo, compreendeu- se que os registros das mostras estão mais no âmbito da oralidade, sem informações específicas de período de realização ou título, são narrativas. As exposições se apresentam em formato mais alternativo e sem amarras expográficas, sobretudo, com um caráter mais marginalizado diante do contexto político de ditadura na época. As mostras eram constituídas em shows e/ou festivais por onde Lula Côrtes transitava, onde estes festivais se apresentavam como lugares que uniam diversas modalidades culturais.

Dentre as exposições catalogadas há um hiato entre uma exposição e outra, talvez um olhar desavisado poderia pensar que o artista estava sem produzir ou fora do eixo de circulação. Pode-se perceber que em muitos campos discursivos tinha a compreensão que a psicodelia deu a ele um lugar de artista “maluco”, mas antes de tudo ele foi um artista que muito experimentou, provocou o mundo das artes, não parou de produzir, ousando se configurar também como instituição, no sentido de ser “casa de criação e de sentidos” para si e para os outros. Lula Côrtes dizia “eu toco o que eu pinto, eu pinto o que eu escrevo, eu escrevo o que eu toco”, arriscar-se aqui, é como tratar as exposições como um processo de tradução também, ou seja, se configurava em produtos de outras vertentes culturais. Olhar sua produção com as artes gráficas é um exemplo também de atravessamentos e traduções dos processos criativos de Lula Côrtes, com as capas de discos, produção de livros de artistas etc.

Por fim, não menos importante, um outro ponto importante para analisar as exposições do artista é a criação de seu próprio espaço museal, o Museu Pernambuco Integrado (MUPE). Mais um lugar de experimentos e, local independente na trajetória do artista, possibilitando construir novas relações ao abrir um espaço para outros artistas realizarem suas exposições, inserindo Lula Côrtes em outros papéis como curador e gestor. Vale ressaltar que o MUPE também recebeu uma mostra sua com o objetivo de fazer um panorama de sua produção, sendo esta uma iniciativa de trazer ao público um olhar mais amplo e linear de sua obra visual.

Para finalizar estas breves considerações, percebe-se que analisar as exposições é uma esfera deste projeto que pode contribuir para o mapeamento das obras na medida que compreendemos as dinâmicas de circulação do artista e como ele escolhia escoar essa produção visual. Não é tarefa fácil e o desafio continua, entender os fluxos de suas exposições é um caminho de sistematizar visões do mundo da arte e possíveis olhares de sua trajetória, sendo estes plurais, poéticos, afetivos e ousados.