O que se trata aqui neste texto de exposição diante da trajetória do multiartista Lula Côrtes, que percorreu tantas frentes no mundo artístico e criou um circuito a partir de seu próprio caminhar articulado sobretudo com a música? Reflexões sobre as exposições deste artista trazem evidências sobre os espaços elencados para as suas mostras, a sua produção artística em diversas épocas, suas formas de expor ao público, mas, junto com todos estes pontos, busca fazer um desenho de como aconteceu uma gestão de processos criativos que muito se construiu nas dinâmicas entre shows, gravações de discos, ateliês coletivos, produções gráficas e literárias e, não menos importante, nas suas relações com os agentes da época.
Nunca é sobre uma coisa só, trata-se aqui de atravessamentos. O que parece, evidentemente, algo muito rico e aglutinador transitar em vários circuitos, foi, porém, muito desafiador para um artista que não cabia em um só lugar. O sistema de arte vigente não abarcava a complexidade e a cinestesia do artista. Então, ele se inaugurava constantemente, no sentido de criar seus caminhos, criar seus próprios códigos, possibilitando assim outros artistas a percorrerem neles.
Neste projeto de pesquisa intitulado Atípicos, que tem o objetivo de um mapeamento de sua produção artística visual, os pesquisadores apresentam as exposições como um dos caminhos investigativos. No primeiro momento, é possível identificar alguns dados das exposições do artista em galerias, clubes e museus, sendo elas coletivas ou individuais, um contexto que se apresenta mais institucional. Ações expositivas com um tempo acordado em cartaz, horários de visitação determinados e, algumas, com catálogo e peças gráficas que dá aos pesquisadores suporte para as informações das exposições mais recentes. Mas, assim como localizar suas obras é um processo árduo diante da vastidão de sua produção, por se encontrar espalhada e por ter uma circulação sem registros, encontrar as informações de suas mostras também não é tarefa fácil, mas temos alguns indicativos.
No levantamento de fontes de pesquisas (entrevistas, documentários, blogs e afins), percebe-se que há outra forma de identificar as exposições que não estão catalogadas. Há muitas memórias das realizações de mostras a partir da produção de pinturas de paisagens por onde o artista transitou. Sabe-se que este estilo de pintura não foi o único escolhido pelo artista, nem o único que expôs e experimentou. No entanto, nos lugares por onde ele buscou registrar as paisagens, há relatos de que foram onde o artista expôs várias vezes suas pinturas e que escoou estas obras como forma de presentear e/ou por meio de comercializar, uma das suas principais fontes de renda. As paisagens de Pernambuco e Minas Gerais são exemplos disso, muito foi o envolvimento do artista nestes territórios, do contexto familiar à sua formação artística.
Já na etapa das formações do projeto, com a realização dos webnários, que tratavam sobre os campos artísticos da cidade do Recife e da trajetória de vida e obra de Lula, compartilharam fluxos em festivais, gravações de discos, memórias de estadias, estradas e estúdios, o que sugere aos pesquisadores caminhar pela trajetória musical do artista para encontrar informações onde o artista escoava essa produção artística visual. Neste sentido, as exposições, nesta etapa do projeto, ganham outro fluxo, compreendeu- se que os registros das mostras estão mais no âmbito da oralidade, sem informações específicas de período de realização ou título, são narrativas. As exposições se apresentam em formato mais alternativo e sem amarras expográficas, sobretudo, com um caráter mais marginalizado diante do contexto político de ditadura na época. As mostras eram constituídas em shows e/ou festivais por onde Lula Côrtes transitava, onde estes festivais se apresentavam como lugares que uniam diversas modalidades culturais.
Dentre as exposições catalogadas há um hiato entre uma exposição e outra, talvez um olhar desavisado poderia pensar que o artista estava sem produzir ou fora do eixo de circulação. Pode-se perceber que em muitos campos discursivos tinha a compreensão que a psicodelia deu a ele um lugar de artista “maluco”, mas antes de tudo ele foi um artista que muito experimentou, provocou o mundo das artes, não parou de produzir, ousando se configurar também como instituição, no sentido de ser “casa de criação e de sentidos” para si e para os outros. Lula Côrtes dizia “eu toco o que eu pinto, eu pinto o que eu escrevo, eu escrevo o que eu toco”, arriscar-se aqui, é como tratar as exposições como um processo de tradução também, ou seja, se configurava em produtos de outras vertentes culturais. Olhar sua produção com as artes gráficas é um exemplo também de atravessamentos e traduções dos processos criativos de Lula Côrtes, com as capas de discos, produção de livros de artistas etc.
Por fim, não menos importante, um outro ponto importante para analisar as exposições do artista é a criação de seu próprio espaço museal, o Museu Pernambuco Integrado (MUPE). Mais um lugar de experimentos e, local independente na trajetória do artista, possibilitando construir novas relações ao abrir um espaço para outros artistas realizarem suas exposições, inserindo Lula Côrtes em outros papéis como curador e gestor. Vale ressaltar que o MUPE também recebeu uma mostra sua com o objetivo de fazer um panorama de sua produção, sendo esta uma iniciativa de trazer ao público um olhar mais amplo e linear de sua obra visual.
Para finalizar estas breves considerações, percebe-se que analisar as exposições é uma esfera deste projeto que pode contribuir para o mapeamento das obras na medida que compreendemos as dinâmicas de circulação do artista e como ele escolhia escoar essa produção visual. Não é tarefa fácil e o desafio continua, entender os fluxos de suas exposições é um caminho de sistematizar visões do mundo da arte e possíveis olhares de sua trajetória, sendo estes plurais, poéticos, afetivos e ousados.